Definição
A Artrite Reumatóide Juvenil (ARJ) é uma doença crônica, auto-imune, de expressão e evolução clínicas variadas, com causa desconhecida, marcada pela presença de artrite crônica em uma ou várias articulações, com manifestações gerais e viscerais. Atinge crianças com idade inferior a 16 anos, persistindo por no mínimo seis semanas, apresentando-se por edema ou dor, e limitação de movimentos em pelo menos uma articulação.
Essa nomenclatura não se refere especificamente a uma doença, mas sim a um conjunto de doenças com artrite crônica presente, sendo que algumas somente poderão ser definidas com maior clareza na fase adulta.
Epidemiologia
Não é rara em crianças com menos de 16 anos, atingindo uma incidência de 9 a 18 casos e uma prevalência entre 64 e 86 casos para cada 100 mil crianças. Cerca de 80% dos infantes, entretanto, terão remissão completa da artrite ainda na infância.
No Brasil, a ARJ é a doença do tecido conjuntivo mais comum da infância, após a febre reumática. Atinge crianças de todo o mundo, sem predileção racial, embora exista leve preferência pelo sexo feminino (proporção de 2:1).
Etiologia
Sua origem permanece desconhecida. Acredita-se em uma combinação de fatores para o desenvolvimento da doença. Existe uma vinculação entre a influência genética e a suscetibilidade e evolução da doença. A associação entre os antígenos de histocompatibilidade (HLA) DR1 e DR4 apresentam maior risco à forma poliarticular, sendo que quando dois indivíduos de uma mesma família manifestam a doença, o subtipo é o mesmo, apesar de poder existir variação entre a severidade e a produção de sequelas.
O sistema imunológico também parece estar envolvido. Existe produção elevada de interleucinas e do fator de necrose tumoral (TNF), com desequilíbrio das citocinas inflamatórias.
Dentre os fatores desencadeantes, nota-se infecções por parvovírus B19, influenza, vírus da rubéola, Epstein-Barr, traumas e alterações imunológicas. A relação entre trauma e ARJ não está bem clara, porque ela pode servir como fator localizador, despertando a atenção para a articulação já comprometida e doente ou pode realmente desencadear a doença. O estresse físico e o emocional podem também levar a um distúrbio na homeostase dos sistemas imune e neuroendócrino e, assim, atuar na atividade das doenças reumáticas. O estresse psicológico está bastante associado às crianças que possuem ARJ e suas famílias, porém, não é possível identificar se este estresse ocorreu antes ou após a doença.
Diagnóstico e Laboratório
O diagnóstico é essencialmente clínico e diferencial, sendo realizado em conformidade aos critérios estabelecidos pelo American College of Rheumatology (ACR):
1. Idade de início < 16 anos |
2. Artrite em uma ou mais articulações |
3. Duração mínima da artrite em uma mesma articulação: 6 semanas |
4. Tipo de início da doença nos primeiros 6 meses de evolução:
a) Pauciarticular: < 4 articulações; b) Poliarticular: 5 ou mais articulações; c) Sistêmico: manifestações gerais, viscerais e artrite |
5. Exclusão de outras doenças |
Na última década, um grupo de reumatologistas pediátricos de diferentes localizações propuseram novos critérios para classificação e diagnóstico da ARJ, contudo, os mesmos ainda não foram aceitos universalmente:
1. Idade de início < 16 anos |
2. Artrite em uma ou mais articulações |
3. Duração mínima da artrite em uma mesma articulação: 6 semanas |
4. Tipo de início da doença nos primeiros 6 meses de evolução:
a) sistêmico; b) oligoarticular persistente; estendido (mais de 4 articulações após os 6 primeiros meses da doença) c) poliarticular fator reumatóide negativo fator reumatóide positivo d) artrite psoriásica e) artrite relacionada à entesite f) outras artrites: não classificável classificável em mais de uma categoria |
Quadro Clínico
Manifesta-se inicialmente por febrícula (37,5ºC), emagrecimento, perda de peso, dificuldade de ganho ponderal e estrutural, irritabilidade, regressão psicológica, atitude protetora com uma articulação, recusa para engatinhar ou andar. Ao evoluir, observa-se inflamação e proliferação dos tecidos periarticulares e da membrana sinovial. A criança expressa dor intensa à palpação e à movimentação que tanto pode ser articular como muscular. Há rigidez matinal ou após inatividade, redução da mobilidade da articulação comprometida, crepitação ao movimento, espasmo e atrofia muscular.
As áreas mais afetadas são os joelhos, ocorrendo além da diminuição da mobilidade, valgo, atrofia do quadríceps e do grupo tibial posterior, luxação da tíbia posteriormente e marcha claudicante. O tornozelo é a segunda articulação mais afetada, atingindo pés que podem se apresentar como planos com pronação, calcâneo valgo, hiperextensão das metatarsofalângicas e marcha anserina com lordose ou pé cavo com dedos em martelo.
Os punhos apresentam limitação tanto da extensão como da flexão ulnar. Nas metacarpofalângicas existe desvio radial e perda da flexão. Nas mãos, o edema é presente, tal como a atrofia da musculatura intrínseca, tenar e hipotenar, além da perda do movimento de preensão pela redução da força muscular. Nos dedos, a deformidade em botoeira é comuns e são raras as em pescoço de cisne.
O pescoço também diminui a mobilidade e os ombros passam a apresentar movimentação em bloco. O quadril também tem a amplitude de movimento reduzida, atrofia da musculatura e deformidade em flexão. O fêmur pode demostrar deformidades importantes.
A articulação têmporo-mandibular diminui sua atividade e crepita, reduzindo a abertura da boca. Com o crescimento, a criança pode apresentar escoliose. Igualmente, pode existir alteração no crescimento por fusão precoce das epífises.
Quanto aos exames subsidiários, nota-se que não há qualquer prova ou teste laboratorial patognomônico da doença. São utilizados, entretanto, para avaliar a atividade inflamatória, caracterizar os subtipos da doença, avaliar a resposta ao tratamento e acompanhar a toxicidade terapêutica. Emprega-se o hemograma, as provas de atividade inflamatória (VHS e PCR) e o fator reumatóide.
Os exames radiológicos, já no início, mostram edema das partes moles e ocasionalmente osteoporose epifisária. Em estágios mais avançados, identifica-se redução do espaço articular e lesões erosivas, com anquilose nos casos mais graves. O ultra som é capaz de detectar comprometimento articular, especialmente no quadril.
Classificação
Em virtude do surgimento dos sintomas nos primeiros seis meses, a ARJ pode ser classificada em:
* Poliarticular: importante destruição articular, com redução da capacidade funcional e da qualidade de vida. Começa de forma insidiosa, simétrica, aditiva, em grandes e pequenas articulações, podendo ser dividida em dois grupos de acordo com o fator reumatóide (FR). No caso do FR positivo, a doença é mais agressiva, as erosões ósseas são habituais e metade dos pacientes evoluirão para artrite crônica grave com importante incapacidade funcional. Algumas manifestações sistêmicas são observadas, tais como febre baixa ou hepatoesplenomegalia.
* Pauciarticular: é a forma mais comum. Começa antes dos 5 anos e pode ser subdividida em tipo I (acomete mais as meninas, em idade escolar, com artrite aditiva, assimétrica, em grandes articulações dos membros inferiores, podendo incidir uveíte anterior crônica) e tipo II (prevalece no sexo masculino, acima dos 8 anos, sendo também aditiva, assimétrica, nas grandes articulações dos membros inferiores, podendo evoluir para entesite e para comprometimento das articulações sacroilíacas, do quadril e da coluna. Cerca de 75% dos pacientes tem associação com o HLA-B27, podendo evoluir para espondilite anquilosante).
* Sistêmica: marcada pela presença de febre intermitente, geralmente vespertina, exantema fugaz, raramente pruriginoso (coceira), com preferência pelo tronco e parte proximal dos membros. Há adeno e/ou hepatoesplenomegalia, moderadas; pericardite leve ou moderada e alterações discretas da função hepática. Cerca de 25% destes paciente passa a apresentar artrite do tipo poliarticular, com comprometimento simétrico e aditivo de grandes articulações e da coluna vertebral. Nota-se retardo do crescimento pela atividade da doença ou devido ao tratamento medicamentoso. O óbito pode sobrevir por infecção pulmonar ou tamponamento cardíaco.
Tratamento
A terapia visa reduzir o impacto da doença na vida da criança acometida e de sua família. Consiste no rápido controle da inflamação, preservação da integridade, da mobilidade e da função articular. Deve-se buscar a independência para as atividades diárias e orientações de forma que a criança e a família possam levar uma vida normal e saudável. O acompanhamento desses pacientes é longo e envolve vários anos de atividade física, órteses, medicação e, em algumas situações, até tratamento cirúrgico.
A medicação buscará, então, controlar a inflamação, promover analgesia e controlar a atividade da doença. Os antiinflamatórios não-hormonais (AINHs) são empregados nas fases inicial, sendo bem tolerados, embora a efetividade de cada droga varia de acordo com o paciente. Os corticosteróides, apesar de possuírem forte atividade antiiflamatória, devem ser restritos aos pacientes com pericardite ou miocardite graves, febre não responsiva aos AINHs e uveíte anterior crônica não controlada com corticoterapia local. Podem ser usados nos casos que progridem rapidamente, que evoluem para a destruição articular, contudo, em pequenas doses e por pequeno período.
Para os pacientes que não respondem aos AINHs, em 2 a 3 meses, usa-se terapias de base com o emprego de antimaláricos e sulfassalazina. Na artrite agressiva, essas drogas devem ser utilizadas precocemente para reduzir a atividade inflamatória e reduzir as sequelas, podendo ser empregados também nos casos de corticodependência.
Os imunossupressores, de metotrexato à azatioprina são mais usados nos casos graves. Devem ser associados ao ácido fólico para reduzir os efeitos adversos, especialmente hepáticos. Já os agentes biológicos, como o etanercept e o infliximab, bloqueiam seletivamente as citocinas e têm demonstrado bons resultados. Acredita-se que o uso precoce do metrotrexato e da corticoterapia intra-articular em associação aos novos agentes biológicos leva à redução da destruição articular causada pela doença.
Como existe o risco de uveíte anterior e de vários efeitos colaterais da medicação, o acompanhamento oftalmológico, regular é importante, especialmente nas formas poliarticular e pauciarticular.
A cirurgia é indicada para restaurar a função, reduzir a dor e corrigir deformidades, tais como as artroplastias, osteotomias e artrodeses. A artroplastia de quadril pode ser realizada quando a criança relata dor sem controle, incapacidade funcional e quando não há outra alternativa cirúrgica menos agressiva.
Atividade Física e Exercício Terapêutico
Os exercícios praticados regularmente visam preservar a mobilidade e integridade articular, flexibilizar os tecidos moles, aumentar a força e a resistência da musculatura relacionada e maximizar a função.
Nas fases de agudização da doença, aconselha-se tão somente o exercício terapêutico passivo suave para manter a mobilidade, e não desencadear relexos dolorosos. A atividade deve evoluir para assistida e atividade, de acordo com a capacidade da criança, respeitando as limitações impostas pela doença. Exercícios resistidos devem ser realizados tão logo seja possível. Assim, inicialmente podem ser isométricos (contrair o músculo sem movimentá-lo) e, após, pode ser contra gravidade, sem estressas as articulações comprometidas.
Quando a artrite estiver controlada, atividades de alongamento, especialmente das articulações com limitação da ADM, deverão ser introduzidas. Obviamente, o alongamento não deverá ser agressivo nem vigoroso, e há que se contraindicar as técnicas de manipulação articulares.
Atividades aeróbicas como caminhadas no solo ou na água, bicicleta ergométrica, atividades aquáticas gerais, devem ser introduzidas desde o diagnóstico.
A introdução de uma atividade na água, assistida, é um dos melhores recursos para reduzir a dor, o espasmo muscular, melhorar a amplitude de movimento, corrigir a postura, treinar a marcha, fortalecer globalmente e promover a interação psicossocial da criança.
Orientações e Educação do Paciente
A educação da criança e de seus pais sobre a ARJ, o tratamento e prognóstico são fundamentais. Deve-se introduzir várias orientações:
– Uso de órteses, em determinados casos, para evitar complicações articulares, já que elas irão repousar a articulação em posição funcional, principalmente se houver sinovite ativa. Ademais, contribuem para melhorar a função nos casos de instabilidade e evitar as deformidades.
– Emprego do posicionamento adequado para quando a articulação estiver inflamada e houver a necessidade de reduzir tanto a dor como a pressão nos tecidos moles. O decúbito ventral é uma das posições incentivadas para evitar as deformidades em flexão.
– Repouso correto, confortável e funcional poupam a articulação inflamada aguda, em posição funcional. Contudo, deve ser intercalado aos exercícios passivos suaves ou ativos delicados para mantar a mobilidade.
– Evitar posturas de flexão, como quando se vai estudar ou escrever, adotando mesas e pranchetas mais altas, opr exemplo;
– Estimular a mobilidade articular, especialmente de mãos, pés e ATM, sempre de forma lúdica e interessante;
– Orientar sobre o uso de calçados estáveis e confortáveis, e, caso necessário, adaptá-los aos pés da criança;
– Os casos de rigidez matinal podem necessitar de compreensão individual e paterna, com mudança dos horários de estudo, por exemplo.
– O tratamento multidisciplinar precisa ser encorajado, tal como as atividades recreativas na escola e na comunidade, e o acompanhamento psicológico para todos os envolvidos.
Referências Bibliográficas
CHIARELLO, B.; DRIUSSO, P.; RADL, A. L. M. Fisioterapia reumatológica. Barueri, SP: Manole, 2005. (Série Manuais de Fisioterapia).
IVAMOTO, M. E. Et al. Artrite reumatóide juvenil: estudo de 51 casos. I – aspectos clínicos. Pediat, São Paulo, v. 6, p. 200-206, 1984.
VALENÇA, T. D. C. Artrite reumatóide juvenil. Disponível em: <http://www.wgate.com.br/conteudo/medicinaesaude/fisioterapia/reumato/arj_tatiane.htm>. Acesso em: 10 set. 2011.