Definição
A esclerose sistêmica (ES) é uma disfunção do tecido conjuntivo, auto-imune, generalizada, progressiva, de causa desconhecida, caracterizada pela deposição excessiva de colágeno na pele e nos tecidos internos. Embora a esclerose cutânea (esclerodermia) seja a principal manifestação na maior parte dos casos, a fibrose pode envolver articulações, tendões, músculos e/ou órgãos internos.
Ou seja, existem alterações inflamatórias crônicas que culminam em espessamento, fibrose cutânea e dos tecidos moles, associando-se a modificações vasculares periféricas e viscerais, às manifestações osteomusculares e sistêmicas, podendo ser fatal. A redução da elasticidade da pele e dos outros tecidos, incluindo, órgãos e sistemas, é observada. Também é marcada pelo desenvolvimento de endarterite proliferativa e pela proliferação do tecido conjuntivo da pele e dos órgãos internos, especialmente, pulmões, trato gastrintestinal e rins.
Epidemiologia
Esta rara doença provoca uma baixa expectativa de vida, o que dificulta a sua análise. O início dos sintomas, entretanto, ocorre entre 30 e 60 anos, com um pico maior de incidência entre 40 e 50 anos, predominando no sexo feminino, entre 3 a 8 ou até 15 mulheres para cada homem. Não existe preferência por raça e acredita-se que sua prevalência seja de 126 casos para cada milhão de habitantes.
Etiologia
Sua causa permanece desconhecida, embora se defenda uma origem multifatorial. Os fatores genéticos apontam para uma relação entre o antígeno leucocitário humano (HLA) e a ES, contudo, de forma controversa, já que a doença não é frequente dentre os membros de uma mesma família e tem predileção pelo sexo feminino.
Aponta-se para fatores imunológicos, em que a rede de linfócitos T se encontra bastante ativa na ES. Esses linfócitos são ativados em indivíduos geneticamente predispostos, que atuam no processo de fibrose. Eles agem no endotélio, produzindo lesões repetidas nos vasos e microvasos, causando a fibrose.
E ainda, acredita-se na existência dos fatores ambientais, dentre os quais se destacam os solventes orgânicos (benzeno, tolueno, cloreto de polivinil e tricloroetileno), a sílica (minérios de carvão e pedreiras), o silicone (próteses variadas), o uso de drogas (inibidores de apetite, bleomicina, L-triptofano) e alguns vírus.
Patologia e Patogênese
Os eventos exatos envolvidos ainda são desconhecidos. A melhor explicação permanece relacionada às lesões sucessivas do endotélio dos vasos e microvasos. Este dano gera alterações na permeabilidade com ativação dos fibroblastos intersticiais, causando maior secreção de colágeno com produção de um manguito em torno da adventícia. Apesar do antígeno responsável pelo desencadeamento da resposta auto-imune não ter sido identificado, crê-se que este componente imunológico possa sofrer influência de elementos ambientais, porque existe comprovação de casos em que a doença se desenvolve a partir da exposição à fatores químicos. Com essa alteração imunológica e a elevação da síntese de colágeno, sobrevém a fibrose, a lesão proliferativa vascular (endarterite) e isquemia. Os casos se condensam e se dilatam formando as telangiectasias.
Classificação
A ES é classificada de acordo com o envolvimento clínico da pele e das manifestações sistêmicas:
Classificação | Característica |
Sistêmica | Difusa
Limitada (CREST) Overlapp ou síndrome da sobreposição Visceral |
Localizada | Linear
Morféia Generalizada |
Induzida |
Quadro Clínico
O quadro clínico é bastante variável, principalmente com relação ao início difuso ou limitado. Os pacientes com a forma difusa apresentam progressão rápida do acometimento cutâneo e maior risco de complicações renal, cardíaca e pulmonar nos primeiros cinco anos da doença. Após, tende a se estabilizar com poucas manifestações viscerais novas. Pode-se encontrar edema nas mãos e fenômeno de Raynaud – distúrbio vasomotor caracterizado pela alteração bilateral da cor nas mãos, geralmente após exposição ao frio, com isquemia localizada, vasoespamos ou palidez, cianose e rubor por hiperemia reativa ao retorno do fluxo sanguíneo. Pode existir parestesia nas mãos e rigidez matinal. Os paciente com a forma limitada apresentam uma evolução mais benigna e lenta, com o fenômeno de Raynaud precedendo em muitos anos as outras manifestações.
Diagnóstico e Laboratório
O Colégio Americano de Reumatologia (ACR) estabeleceu os critérios para o diagnóstico da ES, sendo que para o mesmo é necessário a presença do critério maior, ou, na sua ausência, a existência de dois critérios menores:
Critério Maior |
Esclerodermia proximal |
Critério Menor |
Esclerodactilia |
Ulceração de polpas digitais e dedo ou reabsorção de falanges distais |
Fibrose pulmonar basilar |
O diagnóstico é realizado por meio de exames clínicos, físicos e complementares, tais como a biópsia da pele ou das vísceras acometidas. Cerca de 90% dos pacientes possui auto-anticorpo específico (anticorpos antinucleares – ANA) e alteração laboratorial inespecífica, com discreta anemia hemolítica, pancitopenia e aplasia medular. Os anti-centrómero são presentes em 70 a 80% dos casos da ES limitada e os anti-Scl-70 em até 30% dos casos da ES difusa.
Recentemente foram detectados mais três auto-anticorpos específicos para os casos de ES, o anti-U3RNP (anti-fibrilarina), o anti-thRNP e os anti-RNA polimerase I e III. Os primeiros são frequentes nos pacientes não caucasianos e não se correlaciona com as formas da doença. Os anti-thRNP são relativamente raros e os últimos estão presentes em torno de 11 a 23% dos casos, respectivamente, predominando na forma difusa.
A capilaroscopia ungueal é o estudo da microcirculação a nível ungueal. Trata-se de um exame não invasivo, simples, utilizada para o diagnóstico diferencial entre o fenômeno de Raynaud primário e secundário, quando, neste, aparecem alterações típicas da ES como a dilatação de ansas capilares, presença de capilares ramificados, perda dos capilares e desorganização da arquitetura capilar. Igualmente, pode ser um instrumento para o acompanhamento da evolução da doença.
As provas de função respiratória podem revelar alterações compatíveis ao padrão restritivo, o que sugere doença intersticial pulmonar. Além disto, a indicação da tomografia computadorizada torácica permite identificar alterações pulmonares precocemente, antecedendo, em alguns casos, ao próprio diagnóstico da doença.
A média de sobrevida é de 15 anos, sendo o pior prognóstico para os indivíduos do sexo masculino, de raça negra, com forma difusa, acometimento vesicular rápido e progressivo e com acometimento cutâneo rápido e progressivo no grupo etário mais jovem.
Tratamento
O tratamento medicamentoso inclui drogas sintomáticas como os analgésicos ou antinflamatórios não esteróides para as artralgias; inibidores da bomba de próton ou H2 para esofagite de refluxo; corticóides para as manifestações inflamatórias; colchicina para evitar o acúmulo de colágeno; D-penicilamina para combater as alterações cutâneas; bloqueadores dos canis de cálcio e as drogas vasoativas para controlar o fenômeno de Raynaud, e captopril para as manifestações renais. Imunossupressores são escolhidos para evitar a evolução da doença, tais como o asiatiacosídeo, que inibe a biossíntese do colágeno e a ciclofosfamida.
Orientações e Educação do Paciente
As orientações e a conscientização do paciente são extremamente importantes para o controle da dor e dos demais sintomas:
Orientações Gerais | Descrição |
Alimentação | Suplementação dietética com triglicerídeos e fibras |
Fenômeno de Raynaud | Proteção das extremidades contra o frio, cuidado com as variações térmicas e não fumar |
Postura | Alterações de decúbito (posições) para minimizar as dores |
Úlceras da pele | Proteger as pontas dos dedos, cuidados com a higiene e infecção secundária |
Alterações em face | Uso adequado de cosméticos |
Manifestações cutâneas | Lubrificação adequada da pele, evitar banho quente e excesso de sabão |
Medidas antirefluxo | Manter a cabeceira da cama elevada, não deitar após as refeições, comer em pequenas quantidades e várias vezes ao dia |
Atividades diárias | Evitar o desgaste desnecessário, a fadiga, posturas inadequadas, ter cuidado com aquelas que predispõem a deformidade. Respeitar a dor, usar a biomecânica corporal, dividir as tarefas e descansar entre as atividades |
Hábitos domésticos | Evitar carregar objetos pesados. Procurar distribuir sempre o peso. Empurrar os objetos ao invés de puxá-los. Agachar com a postura correta. |
Atividades laborais | Organizar o mobiliário e instrumentos utilizados de forma que favoreça a biomecânica corporal. Mudar a posição corporal a cada 20-30 minutos. Realizar alongamentos a cada hora. |
Suporte | Psicológico |
Referências Bibliográficas
CHIARELLO, B.; DRIUSSO, P.; RADL, A. L. M. Fisioterapia reumatológica. Barueri, SP: Manole, 2005. (Série Manuais de Fisioterapia).
KAYSER, Cristiane; ANDRADE, Luís Eduardo Coelho. Capilaroscopia periungueal: importância para a investigação do fenômeno de Raynaud e doenças do espectro da esclerose sistêmica. Rev Bras Reumatologia, [S.l.], v. 44, n. 1, p. 46-52, jan./fev., 2004.
VILAS, Ana Paula; VEIGA, Manuela Zita; ABECASIS, Pedro. Esclerose sistémica – perspectivas actuais. Medicina Interna, [S.l.], v. 9, n. 2, p. 111-120, 2002.